"Eu desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal", previa o futuro Millôr Fernandes
E eis que Chico Bethânio, a quem um dia chamei de pai por uma simples ilusão de ótica (sim, eles eram sósias!), resolveu se render à censura da tribo que ele, olhe que ironia, atua há anos como Xamã e amigo do Cacique.
Por acusação de "teor machista" em obra, o compositor decidiu, então, parar de cantar "Com Açúcar, Com Afeto", canção que fez para a amiga Nara Leão, em 1967.
O interessante é que, se a moda pega e a turma se empolga, Bethânio vai ter ainda menos canções para cantar do que Neil Young tem ainda disponível no Spotify.
O saudoso Millôr Fernandes, certa vez se referiu a Chico Bethânio com a seguinte frase:
"Eu desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal".
Eu assino embaixo e incluo na lista de Millôr figuras como Roger Waters, Bono Vox e mais umas caricaturas nacionais que prefiro não citar, para evitar dor de cabeça.
Mas, como pesquisador nato, deixo aqui minha colaboração para que o grande Chico reflita sobre outras obras suas, supostamente "tóxicas," deixando, talvez, também de cantá-las, e quiçá fazendo uma retratação em praça pública pedindo desculpas aos ofendidos.
Pra começar, na canção "Romance", o macho opressor heteronormativo supostamente sequestra uma moça, a retém para sempre e, no lugar dela, coloca uma "tont@", termo utilizado na letra, nada delicada, para se dirigir a uma mulher.
"Te sequestrei/Vou te reter pra sempre/No teu lugar, talvez/Fique alguma tont@, uma dublê/Uma mulher alheia"
E, por falar em desrespeito à mulher, o que dizer da moça "feia" que, na canção "A Banda", debruçava-se na janela achando, inocentemente, que a banda tocava pra ela?
Não seria isto “lookism”, termo progressista que significa valorizar em excesso os belos e, sobretudo, discriminar os feios, Chicão?
E, no campo das ofensas às minorias, o repertório é quase que um "Almanaque", como pode-se notar no clássico "Cálice", em um verso gordofóbico: "de muito gorda a porca já não anda."
Como assim? Vai ter gord@ andando, sim. Que preconceito é este, Bethânio?
E o que dizer então do macho opressor, que trata a mulher como se fosse sua empregada, hein? Que coisa mais démodè, né? O século XIX já passou, Chiquinho.
Que papo é este de "Madalena foi pro mar/E eu fiquei a ver navios/Quem com ela se encontrar/Diga lá no alto mar/Que é preciso voltar já/Pra cuidar dos nossos filhos"?
Madalena não pode nem tomar um banho de mar sozinha mais?
Na canção "Logo eu?", de 67, o que será que o compositor quis dizer com "E tem mais isso/Estou cansado quando chego/Pego extra no serviço/Quero um pouco de sossego/Mas não contente/Ela me acorda reclamando/Me despacha pro batente/E fica em casa descansando"
Como assim? Mulher em casa fica só descansando? Quer dizer que todos atributos do lar são considerados mero descanso?
E o que dizer do domingão, este que deveria ser o dia de descanso, de fato, e a mulher ter de trabalhar como uma doida pra animar a festa dos amigos, meu caro barão?
Como é que é isto aí?
"Mulher, você vai gostar/Tô levando uns amigos pra conversar/Eles vão com uma fome que nem me contem/Eles vão com uma sede de anteontem/Salta cerveja estupidamente gelada prum batalhão/E vamos botar água no feijão"
Hostess, cozinheira e garçonete, acúmulo de funções, tudo numa tacada só e em pleno domingo?
Bom, talvez, seja uma mulher de Atenas, já que, como sugere o compositor:
"Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas/Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas"
E infidelidade? Não seria este um dos principais atributos do tal homem tóxico?
O que dizer do verso da inocente canção "João e Maria"?
"Agora eu era o herói/E o meu cavalo só falava inglês/A noiva do cowboy/Era você, além das outras três"
Três, João? Pô, tu é guloso, hein? Haja remedinho...
Tá parecendo o falecido pedreiro de "Construção" que, ao sair de casa, beijava a mulher como se ela fosse a única.
E este lance de objetificar a mulher, hein? Hoje não tem mais isto, não, Chicão. Olha o respeito com as moças, por favor.
Que papo é este da canção "As Atrizes"?
"Os meus olhos infantis/Só cuidavam delas/Corpos errantes/Peitinhos assaz/Bundinhas assim"
Combater a objetificação é mostrar que elas são indivíduos completos e capazes, que podem ser muito mais do que objetos de prazer masculino, não acha?
Ah, e, por favor, cancele imediatamente a canção "Cal@ a Boc@, Bárbara", pois ela está no lugar de fala dela e jamais vai se cal@r, ok?
Nem ela e nem uma outra personagem feminina de suas composições, tá combinado?
E pra fechar, dois conselhos de amigo, tá?
Cancele imediatamente a sua canção "Noiva da cidade", pois, talvez, não tenha notado, mas supostamente pode estar culpabilizando as vítimas de estupr0, quando você insinua na letra que a moça é "descuidada e com a janela escancarada quer dormir impunemente".
Pra finalizar, em "Geni e Zepelim", de sua obra "Ópera do Malandro", que, aliás, interpretei no teatro, anos 90, e fui Max Overseas, é claramente transfóbic@ e vai dar problemas.
Expor de forma tão explícita a vida sexual da tr@ns Geni não caiu bem, afinal o corpo é dela e as regras são dela, certo?
É um tanto asqueroso uma população jogar pedra e escrementos em cima da moça, só porque ela "dá pra qualquer um" e é boa de cuspir, convenhamos.
Vamos rever esta obra aí também, tá?
Agora, se estiver cansado de pagar pedágio ideológico, vale a pena convocar o famoso e ficcional Julinho da Adelaide e deixar ele assinar estas obras, como fez no regime milit@r. Que tal?
Texto: Maurício Nunes (Facebook: A Toca do Lobo // Instagram: @tocadolobomau)
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